Magnífico Reitor da Universidade de Lisboa
Sr. Representante de S.E. o Secretário de Estado da Juventude e Desporto
Sr. Presidente da Faculdade de Motricidade Humana
Sr. Presidente do Comité Olímpico de Portugal
Sr. Presidente do Comité Paralímpico de Portugal
Sr. Presidente da Confederação do Desporto de Portugal
Sr. Comandante da Academia Militar e Estimados Representantes da Marinha, do Exército e da Força Aérea
Estimados Autarcas e Representantes dos Municípios de Oeiras e Lisboa
Sr. Representante dos Bombeiros Voluntários do Dafundo
Srs. Presidentes e Representantes de Federações Desportivas e da Associação dos Atletas Olímpicos de Portugal
Sr. Presidente da Associação de Empresas de Ginásios e Academias de Portugal
Estimados Directores e Representantes de Faculdades e de outras Escolas do Ensino Superior
Caros Membros dos Órgãos de Gestão, Professores, Funcionários e Alunos da FMH
Caros Companheiros dos Panathlon Clubes de Lisboa e Berna (Suíça)
Estimados Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores
Antes de proferir algumas palavras sobre ÉTICA NO DESPORTO E NA VIDA gostaria de fazer uma breve introdução a qual é, simultaneamente, um agradecimento pelo honroso convite que o Presidente, Prof. José Alves Diniz me dirigiu para participar na sessão que assinala o 78º aniversário da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.
Entrei nesta Escola há 49 anos como aluno e nela concluí três cursos. Portanto, podemos considerar que a minha longa, difícil, mas gratificante carreira profissional, foi inegavelmente marcada pelo que aqui vivi em períodos deveras interessantes da Escola e relevantes na própria história da Educação Física e Desporto nos últimos 50 anos em Portugal.
Creio que seria um exercício despiciendo, neste contexto de aniversário, fazer uma análise às correntes ideológicas que atravessaram os diferentes períodos desta Escola e que foram deixando nítidas marcas organizacionais.
Todavia, o que hoje conta para mim, é que sendo a FMH a mais antiga instituição universitária na área da Educação Física e Desporto, na verdade sempre procurou a inovação numa espécie de busca sistemática de novos caminhos, nesta grande área onde se cruza o exercício físico, o desporto, a educação, a saúde ou a própria intervenção activa e solidária nas comunidades, quer seja numa escola, num clube, num bairro problemático ou num campo de refugiados.
Em termos pessoais, eu talvez seja o diplomado por esta Escola que teve a oportunidade de estar mais tempo em funções de liderança a nível nacional e internacional, na Administração Central, no Poder Local e no movimento associativo desportivo e profissional na área da Educação Física e Desporto. Mas, fazendo um breve balanço desse trajecto, asseguro-vos que o traço essencial do meu comportamento, em todos os cargos que desempenhei, foi sempre aquele para que esta Escola me formou: ser professor.
Agradeço assim, a muitos dos meus antigos docentes nesta Escola, o facto de me terem inculcado princípios, valores e transmitido conhecimentos que sempre me acompanharam na vida pessoal e no trabalho. Neste sentido, sei bem que, independentemente da sua actual designação e da diversidade de cursos ou unidades curriculares existentes ao longo dos tempos, o que determina mesmo esta Escola são os seus autênticos Mestres, como aqueles com os quais tive a sorte de aprender e conviver. Alguns já não estão entre nós, mas espero bem não os ter desiludido por terem confiado em mim.
Mesmo arriscando cometer alguma grave omissão, não posso deixar de realçar e agradecer neste momento o testemunho que recebi de dois grandes Mestres, como o Prof. José Maria Noronha Feio e o Prof. António José de Paula Brito.
À guisa de introito declaro que, ao longo da minha intervenção irei abordar a Ética no Desporto, como um terreno contraditoriamente fértil de valores elevados e de acções perniciosas. Procurarei igualmente colocar um destaque nalguns assuntos delicados e complexos, como os que tive de enfrentar durante vários anos no universo desportivo e organizacional, tais como o combate à dopagem, à violência e ao assédio.
Da minha parte não se trata, pois, de apresentar uma síntese mais ou menos livresca ou um ensaio didáctico sobre este tema, mas de partilhar convosco uma reflexão apoiada não só na dimensão axiológica do desporto mas que também é escorada sobre casos vivenciados no decurso do meu exercício profissional.
Do Desporto e da Ética
Creio que todos temos plena consciência que o Desporto foi o fenómeno social mais preponderante do séc. XX e, a mesma valorização universal das suas práticas, na lógica do rendimento ou da recreação, também acontece neste séc. XXI.
Cumpriu-se, portanto, um pensamento, um objectivo e uma luta de Pierre de Coubertin quando proclamou: O Desporto faz parte da herança de todos os homens e mulheres e a sua ausência nunca poderá ser compensada.
O Desporto tem sido usado frequentemente como um instrumento de entendimento e amizade entre as nações e os povos, mas também já foi a razão de uma guerra em consequência de três jogos de futebol – a chamada Guerra do Futebol – que foi um violento conflito armado entre El Salvador e Honduras em 1969, com mais de 2.000 baixas sobretudo entre os civis.
Usando uma expressão cara à antropologia, o Desporto é considerado como um facto social total (segundo o conceito de Marcel Mauss), tais as implicações que ele estabelece com toda a sociedade, em domínios tão diversos como a vida cultural, religiosa, económica ou política – mesmo não contendo em si mesmo um valor específico.
A Unesco definiu em 1978 o Desporto como um “instrumento de promoção da Paz, de desenvolvimento, de saúde e de educação”, que favorece o “progresso social e a instauração de melhores condições de vida” (Carta Internacional da EF & D) e, entre nós, o Desporto é assumidamente um direito de todos os cidadãos, consagrado desde 1976 na Constituição da República (art.º 79º).
O Desporto compreende um conjunto de predicados, como valores, representações e condutas, que sustentam uma diversidade de interposições entre e o indivíduo e a sociedade. Entre esses valores destacamos a fraternidade, a laicidade, a solidariedade, a lealdade e o respeito pela dignidade e pelos direitos de todos os seres humanos.
Contudo, tendo presente a universalidade de valores educativos e sociais potenciados pelo Desporto e de este constituir um traço identitário entre os homens, quando nos referimos genericamente à ética no Desporto constatamos, com apreensão, que desde há algum tempo que a situação não está bem ou está mesmo mal.
A leitura quotidiana dos jornais ou o visionamento de determinados programas de televisão deixa-nos uma sensação amarga, sobretudo porque de um modo genérico os que falam sobre Desporto – principalmente sobre futebol – não têm formação, desconhecem os fundamentos antropológicos, históricos e filosóficos das actividades desportivas e sabem pouco sobre os aspectos técnicos, tácticos e regulamentares da modalidade. Refugiam-se amiúde em casos menores, fazem críticas ad nauseam às arbitragens, dirigem insultos, injúrias e difamações e, frequentemente, usam uma linguagem que mais parece um incentivo à violência.
Porém, sobre esta realidade há o risco de se cair nalgum tipo de cepticismo moral, na medida em que, por vezes, incide sobre o Desporto uma dúvida e uma censura social, quiçá idêntica à que encontramos na análise estilo vox populi da vida política e económica ou sobre os processos judiciais mais mediáticos.
A não ser que se ataque esta problemática em várias frentes – intervindo nas causas e não tanto nas suas consequências – temo pela falência moral do Desporto tal a frequência de casos e as estratégias cada vez mais sofisticadas, usadas por exemplo no doping ou no match-fixing (manipulação dos resultados desportivos) – actividade esta que vários autores e entidades consideram que é a maior ameaça ao Desporto no séc. XXI em termos de integridade, ultrapassando em gravidade o próprio doping.
Mas, vejamos um pouco mais sobre a definição e os fundamentos da ética no Desporto, a qual não é mais do que uma faceta das relações entre o indivíduo e a sociedade.
Nos vários pensamentos sobre o Desporto, que políticos e intelectuais relevantes expressaram ao longo dos anos, a minha frase favorita é, de há muito, a do escritor franco-argelino Albert Camus, que ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1957. Camus deixou-nos este pensamento brilhante:
Tudo quanto sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens devo-o ao futebol.
A referência ao futebol pode ser, obviamente, distendida ao desporto como um todo, na medida em que esta frase corresponde afinal a uma explicação sobre a grandeza e a miséria humanas, em que o universo desportivo é um excelente campo de observação, acção e aprendizagem.
Mas será que hoje, da maneira com alguns discutem e praticam futebol, poderemos ter um pensamento idêntico ao de Camus? Duvido…
Creio que existe uma relação entre o declínio das ideologias e, em certo sentido, a redução da importância das próprias religiões na nossa civilização ocidental – de raiz judaico-cristã – o que faz ressurgir o interesse e a necessidade de se voltar a falar de moral e ética. A desagregação do modelo tradicional de família, acompanhada de rápidas e profundas mudanças sociais e económicas também são, em boa medida, responsáveis por esta procura sobre os princípios e as normas de conduta apropriadas em diversos domínios da nossa sociedade, como tem acontecido com o Desporto.
Esta é uma razão plausível para que, nos últimos vinte anos, haja em sectores do universo desportivo e em diversos países, uma demanda crescente de estudos, iniciativas educativas, a edição de manuais de procedimentos, a divulgação de cartas e declarações, a par da criação de numerosas estruturas centradas sobre a ética e o fair play/espírito desportivo.
As notícias sobre os frequentes casos de dopagem, violência, racismo, xenofobia, o assédio e a corrupção são, a este propósito, razões importantes para um crescente interesse sobre a ética e a moral no Desporto. Estas duas noções, etimologicamente idênticas (moral “morales” no latim, que significa “relativo aos costumes” e ética “ethos” no grego, que significa “modo de ser” ou “carácter”), procuram constituir-se como referenciais para os comportamentos sociais do homem e sobre a forma como podem ser inculcadas e verificadas as respectivas regras de conduta.
Com a criação do desporto em Inglaterra, no final do séc. XIX, Thomas Arnold pretendia que a actividade lúdico-desportiva dos alunos (que geriam os seus próprios clubes) tivesse um valor pedagógico intrínseco, mas inserido e ajustado a um determinado modelo de sociedade. Ou seja, como contraponto à degradação física e moral das classes dirigentes dessa época, pretendia-se a formação de um cidadão forte e capaz de trabalhar em equipa – o que era indispensável para a manutenção e expansão do império colonial.
Nestes termos, o Desporto era um instrumento educativo precioso e tratava-se, portanto, de uma aplicação do struggle for life, descoberto e referido por Charles Darwin para o reino animal e adoptado como método educativo por Herbert Spencer. Note-se, que este mesmo princípio foi referido e defendido pelo Barão Pierre de Coubertin, como sendo um importante valor social, em 1905 no seu trabalho Ginástica Utilitária.
Mas, na transição do jogo para o desporto, com a unificação e generalização das regras e a democratização das práticas em todas as classes sociais – deixando de ser um privilégio da aristocracia e da alta burguesia – regista-se a criação e o estabelecimento de um conjunto de códigos assentes em princípios filosóficos, é certo, mas com profundas marcas culturais e claras referências aos modelos laborais típicos da sociedade industrial.
Isto é, partindo de uma cultura desportiva ao serviço da formação do jovem cidadão, foi-se evoluindo de acordo com os padrões de várias correntes políticas, conceptuais e religiosas ao longo das diferentes épocas, onde aparecia cada vez com maior clareza a relevância instrumental da competição, o elogio da excelência, o papel do espectáculo desportivo e o valor económico a ele associado.
Significativamente, quando referimos os conceitos morais e éticos relacionados com as práticas desportivas, verificamos a existência de um eixo que passa não só pelo acatamento da Lei (o papel da regra), mas também pelo respeito por si próprio e pelo outro, num contexto de sociabilidade e de civismo, contrariando o facto de vivermos numa sociedade marcada pelo individualismo e pelo consumismo resultantes, em suma, de uma política de globalização neoliberal.
Os desvios e as perversões aos conceitos éticos de raiz humanista, que estão na base das práticas desportivas, levaram numerosas organizações desportivas – com relevo para o Comité Olímpico Internacional – à criação de um conjunto de normas e recomendações que constituem importantes guiões de acção para o conjunto das estruturas do movimento desportivo mundial.
A este propósito, muitos conhecerão, certamente, o juramento olímpico e o seu enorme valor simbólico quando os atletas olímpicos, no início dos Jogos, asseguram solenemente respeitar as regras, dentro de um “espírito cavalheiresco e pela glória do desporto”.
Sobre o Fair play/Espírito Desportivo
Neste ponto, estamos face a um conceito de ética social mais ampla que implica a rejeição da violência, da batota, da utilização de drogas e de qualquer outro acto que tenha por objectivo a vitória a qualquer preço.
Devemos ter presente que, para além do respeito pelas regras escritas, há a questão da atitude individual de cada agente desportivo. Daí, o interesse da abordagem deste tema, sobretudo na formação inicial e contínua dos docentes e de outros quadros técnicos e dirigentes desportivos.
Mas façamos rapidamente um itinerário por algumas das marcas mais significativas e preocupantes no respeitante à ética no Desporto.
A Dopagem
Apesar dos avanços institucionais a nível mundial no combate a este flagelo, continuam a verificar-se casos inquietantes em diversos países, onde se constata que existe verdadeiramente uma política de Estado que dá cobertura ou incentiva estas práticas.
Os frequentes escândalos envolvendo a dopagem projectam, sem dúvida, uma imagem pública negativa do desporto de alto rendimento.
Há alguns anos tive a oportunidade de coligir um conjunto de dados sobre a situação da dopagem no futebol americano e os resultados eram:
- Com a utilização de produtos dopantes os jogadores ficavam cada vez mais fortes e rápidos. Os choques redobravam de violência, os acidentes multiplicavam-se e diminuía a longevidade.
- A longevidade dos jogadores era, aliás, a mais baixa de todas as profissões nos Estados Unidos
- A duração média da carreira de um jogador profissional passou de:
- 7 anos (1973)
- 4,7 anos (1993)
- Quanto à esperança de vida, em 1983 era de:
- 57 anos (jogador profissional)
- 71 anos (cidadão americano)
- Entre os jogadores, a esperança de vida raramente passava os 55 anos e, mais de metade, morria antes dos 47 anos.
De notar que a situação nos EUA mudou substancialmente a partir do ano 2000, com a criação de diversas estruturas de prevenção e combate ao doping, de que assinalamos a iniciativa do próprio Presidente Bill Clinton, com a White House Task Force on Drug Use in Sports.
Alguns aspectos são absolutamente decisivos na luta contra o doping, porque devemos defender intransigentemente a verdade desportiva e proteger a saúde dos atletas. Nesta conjuntura, a dopagem deve mesmo ser entendida como um assunto de saúde pública e ser também tratado como tal.
Fazendo um rápido balanço dos assuntos que tive de enfrentar em termos profissionais este foi, sem dúvida, o mais difícil, o mais mediático e, porventura o mais perigoso – considerando os interesses pessoais e financeiros envolvidos no tráfico e que estão na própria base económica que sustenta a utilização de métodos e substâncias dopantes.
A Violência
O desporto, em termos gerais, não é violento. Todavia, há práticas desportivas em que os contactos corporais estão previstos pelas próprias regras.
Mas, onde está a fronteira sobre o que é correcto ou do que não é, no decurso de uma competição? Qual a diferença entre “virilidade” e violência? Acredito vivamente que é no comportamento individual de cada praticante que se encontra o caminho para a não utilização da violência.
Da minha experiência nesta área, considero que os principais responsáveis pelo controlo da violência são os treinadores, os dirigentes e os jornalistas, mesmo não estando directamente implicados em actos de violência nas práticas desportivas.
O tipo de incivilidades e de violência associadas ao desporto que caracteriza o nosso País, continua a ser protagonizado pelos intervenientes no espectáculo desportivo, assentando sobretudo em causas que decorrem do desenvolvimento das competições – a que não serão alheios os comportamentos dos jogadores, dos árbitros, dos treinadores e dos dirigentes.
A violência do público em recintos desportivos, em especial nos estádios de futebol, continua a ser um problema preocupante, apesar dos esforços já realizados na construção e remodelação desses equipamentos e na melhor preparação das forças e serviços de segurança para lidarem com esta questão.
Assim, é notório que a violência tem sido melhor controlada no interior dos estádios, mas que frequentemente passa para o seu exterior, nas áreas urbanas e mesmo no centro das cidades. As chamadas claques de futebol abarcam jovens provenientes de bairros problemáticos que associam o hooliganismo à violência urbana e, em muitas situações regista-se mesmo a perigosa infiltração, nesses grupos organizados de adeptos, de elementos da extrema direita.
O assédio
A ocultação deste tema no desporto tem sido a norma. Mas são conhecidos alguns indicadores que este problema pode ser extenso e profundo.
Como bem sabemos, o Desporto pode contribuir sobremaneira para o desenvolvimento corporal e moral dos cidadãos, pelo que existe a necessidade (e o dever!) do sistema desportivo proteger os seus membros de qualquer forma de assédio físico, psicológico ou sexual.
O assédio é um abuso, particularmente odioso, que destrói o clima de confiança interpessoal que deve existir na prática desportiva.
Sabe-se que os jovens praticantes são particularmente vulneráveis ao assédio, pelo que as instituições desportivas devem garantir aos seus membros que tudo fazem para prevenir e combater os abusos, nomeadamente os de carácter sexual, tanto mais que, repito, habitualmente impera o silêncio sobre estes casos.
Quanto a esta matéria, sublinho que há um plano moral e um plano legal – o qual implica a imediata denúncia de algum alegado abuso às autoridades judiciais e um pedido de ajuda externa, especializada, para uma correcta abordagem dos incidentes.
Da Ética e da Moral
As questões sobre a ética são dinâmicas. Não se esgotam, manifestamente, nos aspectos anteriormente referidos como seja o combate à dopagem, à violência e ao assédio, mas passam por outros planos como a luta contra a corrupção, o racismo, a xenofobia, a homofobia, os preconceitos, os estereótipos de género, o bullying e a combinação de resultados. Deste modo, as escolas e todas as estruturas desportivas devem exercer uma especial vigilância sobre qualquer forma de discriminação pessoal ou social.
Considero que, sob este prisma, dois pontos são importantes. O primeiro, é a necessidade de se fomentar o espírito desportivo, organizando acções de sensibilização junto dos pais e encarregados de educação e dos agentes desportivos. Por outro lado, considerando o efeito mimético nas crianças e jovens, deve-se acompanhar de perto o desporto de alto rendimento para que sejam observadas, permanentemente, condutas éticas nos atletas de elite.
Entendo que o Estado deve desempenhar um importante papel regulador e fiscalizador, mas tenho plena consciência que isto é um esforço que nunca estará terminado, por muito que se faça nos planos da prevenção e da remediação.
Mas é na prática quotidiana do desporto, pelo comportamento dos agentes desportivos, que se demonstra, avalia e controla a qualidade de um processo de formação desportiva que incorpore os valores éticos. Ter um comportamento desportivo leal, agir de boa fé e ter um espírito desportivo são objectivos desejáveis, mas são difíceis de alcançar.
O conceito “moral” esteve, desde o início do séc. XX, na base do discurso político-pedagógico, na medida em que se considerava que a disciplina de Educação Física devia proporcionar o desenvolvimento físico e moral do indivíduo.
A adopção em Portugal do “método sueco” visava dotar os jovens das capacidades físicas e morais necessárias à dignificação da pessoa e à afirmação da Pátria, em consonância com o ideário do chamado “Estado Novo”, que procurava a “regeneração física e moral” bem expressa na proposta de Lei para a criação do Instituto Nacional de Educação Física, apresentada à Assembleia Nacional em 1939, onde se referia que “a Educação Física visa em primeiro lugar, como é natural, o indivíduo em si mesmo, como unidade biológica e sujeitando-o a uma série de exercícios gimnásticos adequados ao sexo e à idade, os quais vão desde prevenirem na criança…os desvios da curva de crescimento, até produzirem, a par da valorização plástica, os frutos morais que são a energia da vontade, o autodomínio e a formação do carácter”.
Sendo certo que o conceito “moral” já não tem o uso, a frequência e o valor no discurso vigente, na medida em que foi substituído preferencialmente pela palavra “ética”, creio que é cada vez maior a necessidade de haver uma formação/informação dos agentes desportivos nesta temática.
Desta maneira, considerando que é comumente aceite a percepção da crescente importância social e política do desporto, permitam-me uma sugestão.
Para além do Compromisso Ético sobre projetos de investigação ou estudos, correctamente apresentado pelo Conselho de Ética da Faculdade de Motricidade Humana no site institucional, creio que será da maior utilidade a existência de uma unidade curricular que, à semelhança das escolas médicas, aborde a Ética e a Deontologia, sabendo-se bem o papel central que educadores, treinadores e gestores desempenham no universo desportivo, da formação desportiva de base ao alto rendimento.
Como aconteceu frequentemente ao longo do meu percurso técnico, administrativo e político, tenho a certeza que algum dia os diplomados por esta Faculdade irão confrontar-se com questões éticas, do seu foro pessoal (e.g., conflitos de interesse, incompatibilidades e impedimentos) ou relativas aos seus alunos e atletas. Neste sentido, creio que será positivo que, como parte do seu estudo, seja abordada esta matéria que constituirá seguramente uma base de reflexão para orientações e decisões futuras.
Em todas as instituições universitárias, a par da qualificação técnica e científica dos alunos deve haver, paralelamente, um grande desafio e uma importante tarefa. Ou seja, refiro-me à preparação dos futuros profissionais para que tenham atributos cívicos e democráticos, de justiça, de imparcialidade, de equidade e que, em todas as entidades onde venham a exercer o seu labor, optem sempre por métodos e processos de trabalho caracterizados pelo rigor e transparência.
A nível nacional, a formação em Desporto revela fragilidades e ambiguidades, que todos sabemos existirem, a começar pelo desproporcionado número de instituições e cursos dedicados a esta área. Portanto, também no plano da ética, é possível e desejável que a FMH marque a diferença relativamente a outros estabelecimentos do ensino superior, sustentando um elevado padrão de exigência neste domínio.
Enfim, nesta breve viagem por um tema que tem marcado profundamente o meu passado e o presente – considerando as funções que actualmente desempenho no Panathlon Clube de Lisboa e no Comité Olímpico de Portugal – termino agradecendo a vossa atenção e sobretudo a generosidade pelo convite que me formularam para participar no aniversário da minha Escola.
Quanto à FMH, só posso dizer: parabéns a você, muitos anos de vida!
Manuel Brito
Presidente do Panathlon Clube de Lisboa
Presidente do Conselho de Ética do Comité Olímpico de Portugal
Fotos de Vitor Hugo Coelho
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